4 de jul. de 2010

Estupro de Vulnerável – Mais um Passo atrás de nosso estúpido Legislador

O estupro de vulnerável é o novo crime inserido no Código Penal, em 2009, criando o art. 217-A. Este, digamos, é uma das escolhas mais estapafúrdias de um processo legislativo que avançava desde 2005, trazendo prejuízos à sociedade, desde que retirou a possibilidade do casamento excluir os crimes contra os costumes (na forma do revogado art. 107, VII CP).

Vamos por partes...

Imaginem a situação seguinte: João, de 18 anos, ama Maria, de 13, e eles se beijam, se "amassam", nem chegam a transar, sempre com a verdadeira intenção dele em casar com ela.

Resultado: antes de 2005, ele teria cometido o extinto delito de atentado violento ao pudor, e podia ser preso de seis a dez anos, mesmo que ela (Maria) fosse na verdade uma pervertida-mirím (o que não há poucas) que estava apenas usando-o.

Na hipótese de realmente ela dar um chute nele após conseguir o que queria, ele iria preso, se processado e condenado. Isso porque se presumia que ela não tinha condições de escolher.

Mas, se eles fizeram "aquilo", seja se transaram ou não, e o fizeram antes de 2005, no caso de virem a se casar, João não poderia mais ser condenado pelo suposto "estupro presumido" (ou "atentado violento ao pudor presumido").

E olha que maravilha!

Isso permitia que, no caso até da gravidez da "vítima", os dois viessem a constituir família e serem felizes pra sempre! Ela cresceria uma pessoa normal, como tantas mulheres que ao longo da história se casaram cedo (e ainda hoje conhecem seus maridos na média dos 12 anos, eles mais velhos)...

Mas, depois de 2005, ele seria preso, não importa se casados, com filhos e ele o único a sustentar a família. Ou seja, a lei diz que seria melhor pra sociedade que a família toda se ferrasse, ficasse na miséria, sem sustento, porque o legislador acha que é impossível uma garota de 13 anos, sob qualquer hipótese, ter condições de querer transar – e isso eles dizem sem a menor pesquisa no campo da sociologia, psicologia, ou o que for, é só aquelas centenas de ignorantes (com algumas exceções) no Congresso que votam o que pensam e acabou.

E agora ao estupro de vulnerável...

O que antes era uma presunção, que os tribunais insistiam em chamar de absoluta, abria brechas às discussões se seria relativa. Por exemplo, se um cara transasse com uma garota de 13 que já tinha transado com mais de vinte (o que também não é tão raro), é óbvio que ela tinha condições de saber o que estava fazendo...

Agora, no entanto, a lei não presume mais nada: transou ou fez alguma "sacanagem" com menor de 14, é crime e pronto. E não importa se você ama, se vai casar, se tem filho, nada... Você será tratado pior que um estuprador que corta a língua da vítima pra ela não gritar ou arranca seus braços pra não reagir, porque ele pegará no máximo 12 anos de cadeia, enquanto você pode pegar até 15 (e mesmo se for a/o menor quem lhe seduziu).

Ah, estes senhores legisladores! Eminentes doutos de nada que tornam a vida dos operadores do Direito um inferno com leis mal-escritas, mal organizadas, contraditórias a princípios básicos... Será que vocês vivem na mesma sociedade que eu?

Incapazes de verem as conseqüências nefastas de suas escolhas tenebrosas no campo penal, vitimizam algozes, impedem formações moral e socialmente aceitas de famílias, e não impedem os crimes, apenas condenam quem não devia ser penalizado.

O abusador de uma menor de idade irá fugir. Este sim deve ser punido, por enganar. Já um jovem de 18 anos, por vezes normal é que se apaixone por uma garota de 12, 13. E, sem importar se ele também está aprendendo algo bonito, como amar, irá preso, e pronto.

Agora, os legisladores, nossos políticos tão amados, que deveriam estar presos em sua maioria, continuam soltos e criando leis pra punir os crimes... dos outros.

E é isso.

3 comentários:

Fabrício Lemos disse...

Caro Maurício,

você como advogado e tendo que defender um caso como esse, quais seriam as eventuais alegações?

Apostaria na alegação da injustiça da lei?

Maurício Rangel disse...

Há uma série de fundamentos. Alguns deles de índole constitucional, então já pensaria num eventual Recurso Extraordinário desde a primeira instância.

Uma vantagem é que, como o tipo penal é novo, é possível abrir-se as mais diversas teorias sobre o mesmo. Isso pode ser ruim, no entanto, se a Jurisprudência começar de forma reacionária.

Infelizmente, só a injustiça da lei não seria válida, mas sim sua inconstitucionalidade por afronta aos princípios de Direito Penal.

Claro que eu pensaria melhor pra fazer o trabalho, e certamente colocaria mais argumentos. Mas, assim, por alto, eu diria, num caso de um jovem de 18 com uma garota de 12-13, ambos apaixonados...

1 - Adequação Social da Conduta. Apesar de não ser fomentada pela sociedade, não é algo que escandaliza ninguém saber que um cara de 18 namora com uma menor de 14 anos. No máximo vão falar que é imaturo, se vierem a falar. Não é exceção, nem é impossível. Não há, pois, desvalor para a ação, que é requisito obrigatório de qualquer delito (Luiz Flávio Gomes, Ciência Criminais, V. 2, p. 235). Com isso, fica excluída a tipicidade da conduta.

2 - Ausência de dolo específico, consistente na vontade livre e consciente de causar dano à liberdade sexual da menor, ou à sua sexualidade. É um tema importante, que exigiria longa fundamentação, por ser teoria nova, sem embasamento na Doutrina. Os delitos com dolo específico raramente estão com essa intenção especial expressa, ela é fruto da interpretação. E assim o advogado também alega, já pretendendo recurso ao STJ. A norma se acha nos crimes contra a liberdade sexual, e alguém que faz "amor" com uma menina, que lhe dá carinho, afeto, suporte emocional, que a ajuda a crescer e a descobrir sua própria sexualidade, com companheirismo e confiança, estará ajudando a formar um ser humano livre, maduro, bem resolvido e saudável. A conduta é, pois, oposta à intenção da lei - pois quem assim age, contribui para a formação da(o) menor.

3 - Ausência de lesividade da conduta. (Ofensa ao Princípio da Lesividade). Aqui há dois enfoques, um sobre o tipo penal em si, que só deve ser considerado constitucional quando o agente usar da menor pra tirar proveito, seduzindo-a de má-fé, ou usando-a como objeto sexual, enganando-a, dando-lhe esperanças, e então sim destruindo uma personalidade. Outro, como consequência, sobre a conduta do agente, que só é ilícita quando visa seu egoísmo, em detrimento da saúde emocional e sexual do(a) menor.

4 - Relevância da defesa da Família em nossa Constituição. Posto que a(o) agente e a(o) menor possam vir a casar-se, a ordem jurídica (na própria CF) colocam a família como centro de nossa sociedade. Esta decerto estará melhor equilibrada e em paz com o feliz matrimônio ou união estável dos envolvidos, enquanto a prisão do agente só viria a causar desespero familiar e desequilíbrio social, onerando o Estado e a sociedade.

...

E por hora é o que posso pensar.
Tudo sempre pensando em chegar ao STJ/STF, se necessário, fazendo todas as alegações cabíveis perante a lei federal e a constituição, desde o início.

Cabe ao advogado explorar o maior nº de teses possíveis, criar novas, forçar a marcha do direito - da lei (quase sempre estúpida) para a justiça (que se mede caso a caso). A maior construção jurisprudencial é resultado do trabalho das partes, do esforço do Ministério Público e dos advogados, que dão os fundamentos para os quais os magistrados concordam ou não.

Então eu lutaria por essas razões, entre outras, que agora me fogem, mas com certeza seria uma Alegação Final vastíssima, recheada de Doutrina sobre Princípios de Direito Penal, Constitucional e sobre Política Criminal.

Obrigado por perguntar.

Espero que tenha lhe ajudado em algo.

Abçs

Ric Ricardo disse...

Muito legal a tese Maurício
Abração