29 de jun. de 2010

Prevalência da Independência Funcional sobre a Unidade do MP - Desrespeito ao Réu

Antes de falar, a fim de que o leitor possa compreender (ou relembrar) sobre o tema, posto meu resumo doutrinário sobre o mesmo:

1.1 – MP e Princípio da Unidade x Independência Funcional

·         Problema que ocorre com frequência é quando, ao atuarem dois ou mais membros do MP num mesmo processo, ambos tomam decisões contrárias. Por exemplo, um promotor pede a absolvição em alegações finais e outro, que atua quando aquele está de férias, recorre da sentença absolutória. Neste caso, pergunta-se: pode um membro do MP pleitear de forma contrária a outro, em casos que a primeira atuação deste geraria a prescrição lógica da conduta pretendida por aquele, ou ausência de seu interesse em recorrer?

·         Há duas posições:

1ª.    Não. Embasada no Princípio da Unidade, os membros do MP atuam em nome do MP. Então, quando seu membro manifestou sua vontade pela absolvição, seguindo o exemplo acima, fez com que o parquet em si escolhesse tal posição. Assim, a instituição do MP não poderá recorrer da absolvição, por falta de interesse em recorrer, pois não foi vencido na demanda. (STJ: REsp 595.598 e REsp 132.951);

§  Em ambos julgados acima destacados se faz a seguinte ressalva:

·         "Interesse haveria se, com a atuação precedente do órgão ministerial, ocorresse manifesto comprometimento do interesse público ou da ordem jurídica, capaz de reclamar essa branda intervenção. A prevalecer, importaria em mitigada remoção compulsória, que atenta contra o postulado constitucional da independência funcional do Ministério Público".

§  Posicionamos-nos por esta corrente, com a ressalva acima. Não se pode ouvidar o instituto basilar da preclusão lógica e da falta de interesse de agir, sob pena de se colocar a outra parte numa situação absurda de nunca saber o que esperar do MP. Dá-se a este órgão mais poder do que lhe é recomendável, sequer na defesa do interesse público, confundindo o próprio parquet com seus membros. Em verdade, além de se estar perante um órgão que nada sofre com perda de prazos, entre outros privilégios legais e costumeiros, sequer pode-se confiar no último ato por ele emanado nos autos. Praticamente uma situação kafkiana, em que o réu não sabe amanhã se aquilo que foi dito ontem valerá – e nem sabe afinal quem o acusa, se o MP ou se seus membros.

2ª.    Sim (prevalente na jurisprudência). A prevalência do Princípio da Independência Funcional é melhor para a sociedade, em face aos interesses que o MP representa. Não pode seu membro ficar adstrito à atuação de outro, deixando de melhor defender a sociedade segundo seu entendimento. (STF: RHC 85.656; STJ: HC 112.793, no Informativo 433).



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Na verdade, o resumo já dá total visão de como este blog se posiciona.

Me lembro do livro "O Processo" de Kafka, que de longe é o mais angustiante de todos os livros que já li. Atormentadora a ideia de que alguém (o MP) possa pedir uma coisa e, no dia seguinte, pedir outra. Principalmente porque ninguém mais pode!!! Imagine o juiz voltar atrás na sentença dada pelo juiz anterior, que saiu de férias quando ele recebeu o processo de volta após o prazo dos recursos!!!

"Tendo em vista a independência de atuação entre os magistrados, volto atrás na sentença anteriormente dada pelo nobre colega, a fim de condenar o réu"...

Claro, isto só ocorre com os membros do MP porque o membro do MP não repete a peça e apresenta outra alegação final! Óbvio que não quero comparar de forma tão banal as situações. Mas, na prática... é isso que se permite, pelo desrespeito à preclusão lógica (mais amplamente) e ao interesse de recorrer diante da sucumbência inexistente. Não se pode voltar atrás e refazer o mesmo ato. Mas o ato subsequente não pode contrariar o anterior!

Mas, vamos imaginar uma situação possível de o juiz alterar seu entendimento... Forçando, digamos que o juiz que absolveu entrara (isso, pretérito-mais-que-perfeito, que nunca usam em nossa língua) de férias e assim estava quando a parte entrou com embargos de declaração. Agora, o novo juiz, que discorda do anterior, aproveita a decisão em sede de embargos de declaração e lhe dá efeitos infringentes, emanando nova sentença, agora condenatória.

Sei bem as diferenças que permanecem pro caso do MP. Evidentemente, os embargos ficariam adstritos ao pedido do embargante... Mas, vai saber se o pedido não comporta tal possibilidade, muitas vezes. E o que não era omisso ou contraditório assim se torna... E depois o STJ aprova, porque "o juiz exerce relevante função social" (o que é verdade, mas não serve pra fundamentar isso, como pretendem com o MP).

Não é do interesse da sociedade que um membro do MP possa se sobrepor à própria instituição do MP, ao menos não como regra. A independência funcional se dá no momento em que o MP atua nos autos, representando a vontade da instituição. Uma vez emanada, está ela vinculada à atuação realizada. Exceto que se comprove má-fé do membro do MP anterior, ou que sua atuação tivesse sido francamente prejudicial ao interesse público, não há porque se autorizar a mudança de posição do parquet.

Afinal, o que vai mudar é a opinião de um membro pro outro, não que o segundo tenha uma melhor opinião que o primeiro!!Muitas vezes será melhor o que disse o anterior. Outras vezes será melhor o que disse o último, que tem opinião diversa. Mas isso não importa! Além de ser mais um argumento de que nada torna válida a possibilidade de se considerar a pessoa do membro do MP ao invés da instituição.

Ao menos na área penal isto deveria ser observado! Princípios basilares de Processo Penal (e processo em geral) são jogados no lixo!

Me digam, quando uma ação é proposta pelo MP, o que aparece como parte? Ministério Público ou Promotor/Procurador Fulano de Tal? Quando se recorre, a parte recorrente é nomeada como Ministério Público ou Promotor/Procurador Fulano de Tal? Afinal, quem é a parte que está promovendo aquela ação penal? É o Ministério Público! Então porque quem pede uma coisa tem o direito exclusivo de pedir ao contrário depois de preclusa a possibilidade para tanto? Uma hora é uma coisa, outra hora é outra?

Francamente... Imagino os Ilustres Membros do MP (e quando digo Ilustres, falo seriamente, porque é uma grande função) extremamente frustrados ou irritados, ao voltarem de férias... "Mas que merda que meu douto companheiro fez aqui!!!"... Mas isso é Direito: divergências de opinião pra tudo que é lado. O MP não é seu membro, membro é membro e apenas presenta-o (o que já é mais do que representar).

Do contrário, é como afirmar que, a cada mudança de Promotor/Procurador num processo, tem-se uma parte diferente pleiteando.

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